Para os que lidam com securitização de recebíveis não é estranho ouvir a chamada confirmação falseada ou confirmação “de favor” que, em bom português, nada mais é que um conluio entre o sacador e o sacado com vistas a possibilitar o adiantamento dos recebíveis (no caso inexistentes) ao primeiro. Trata-se de prática ilícita tipificada como crime pelo Código Penal, que conta, no caso, com a participação do sacado.
Por vezes, a prática passa despercebida pelo boleto relativo à duplicata ser quitado na data do vencimento pelo próprio sacador, que se valeu da medida como uma espécie de mútuo (“empréstimo”) sem o conhecimento do cessionário. A prática, quando não gera prejuízos, acaba não sendo percebida.
No entanto, não raras vezes, o esquema é utilizado com o objetivo de lesar o veículo de securitização, já que, após o vencimento, o sacado se nega a quitar a duplicata inventando um sem-número de exceções (devolução da mercadoria, inexistência da operação, vícios de qualidade, desfazimento do negócio, etc.). Para piorar, ingressa com as famigeradas ações declaratórias de inexistência de débito c/c indenização por danos morais em face do legítimo titular do crédito que efetuou o protesto da cártula vencida.
A jurisprudência pátria frequentemente, sem maior aprofundamento na realidade dos fatos, resolve a questão pautando-se pela teoria do risco do empreendimento, sugerindo que o FIDC/Securitizadora não teria adotado as devidas cautelas ao verificar a higidez do crédito cedido. Tratando-se da situação anteriormente narrada, no entanto, tal solução jurídica não poderia ser mais inadequada.
Isso porque o devedor (sacado da duplicata) atraiu para si a responsabilidade pelo pagamento dos títulos ao não opor qualquer exceção quando teve a oportunidade, tendo, pelo contrário, confirmado a operação.
Nesses casos, o cerne da discussão jurídica deve se centrar não no recebimento da mercadoria, mas na responsabilidade do sacado tanto em razão da inoponibilidade de exceções pessoais ao terceiro de boa-fé (infelizmente muitas vezes descartada pelos julgadores) como em razão da teoria da responsabilidade, já que “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito” (art. 186 do CC).
Ponto de grande relevância é que, ao contrário do que assumem os que tentam resolver a questão baseada na teoria do risco do empreendimento, o veículo de securitização não participa da operação, adquirindo tão somente os direitos creditórios que dela decorrem, de modo que dependem da confirmação daqueles que dela participam para o desempenho de suas atividades. Como não poderia deixar de ser, confiam na declaração do sacado quando confirma a operação sem qualquer ressalva, o que é respaldado pela legislação pátria, já que “a manifestação de vontade subsiste ainda que o seu autor haja feito a reserva mental de não querer o que manifestou, salvo se dela o destinatário tinha conhecimento” (art. 110 CC).
O TJSP, aliás, já teve a oportunidade de examinar caso em que o sacado não conseguiu se eximir do pagamento do título por não ter recebido a mercadoria. Na oportunidade, confessou que realizou a chamada confirmação “de favor”, tendo o Tribunal reconhecido o que parece óbvio: “se a própria sacada tomou parte da simulação, o título não perde suas características cambiárias, principalmente após sua regular circulação”1. Ou seja, não pode o partícipe do conluio se eximir das consequências do golpe.
Nos parece que a questão, todavia, não é resolvida sempre da mesma forma por muitas vezes não haver prova deste conluio ou pela confirmação não ser suficientemente clara (quando o sacado se limita a confirmar o recebimento do boleto, por exemplo). Cabe aos credores, assim, se atentarem para produzir provas que atestem essa realidade, já que a prova é a única ponte entre a realidade dos fatos e o magistrado, o que possibilitará a utilização de tal narrativa com vistas a responsabilizar o sacado pela quitação da duplicata.
1 TJSP; Apelação Cível 9142015-58.2008.8.26.0000; Relator (a): Erson de Oliveira; Órgão Julgador: 17ª Câmara de Direito Privado; Foro de Jaú - 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 18/04/2012; Data de Registro: 24/04/2012.
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